Dia das Mães – carta aberta


Poderia eu escrever uma infinidade de coisas lindas como se é clichê fazer. Enfeitar com flores e rosas e mentir mais uma vez sobre o que penso desse dia.
Tomei a decisão de me calar e por anos tenho guardado a minha dor e sangrado internamente e calado toda minha angustia.
Mas, existem pessoas que conseguem provocar-me a escrever. Existem situações que me levam a isso. E vejo hoje que talvez calar só faz com que a situação seja perpetuada em outros lares.
Já escrevi muitos textos mentirosos sobre este dia. Principalmente quando era obrigada, na escola e como já sofria bulling por outros motivos não queria acrescentar mais um. Porque o maior bulling muitas vezes partia dos professores.
O dia das mães é um dia triste pra muitas crianças que tem que entregar bilhetinho feito na escola pra mãe que o espanca diariamente.
E acredite, são muitas crianças.
Elas são obrigadas a amar o sacrifício. A aceitar de bom grado o tapa na cara. A surra de cinta com a fivela que é pra machucar mais, pra aprender. Fio de ferro de passar, porque canta no ar as lambadas que você leva nas costas. Varinha de marmelo, porque enverga mas não quebra. Então você pode apanhar até o executor cansar. Eu poderia citar muitos outros mecanismos de tortura ao qual fui submetida quando criança. Mas, acredito na inteligência dos leitores e creio não ser necessário.
O espancamento é irrelevante perto da tortura psicológica com todas as pragas do mundo sendo rogadas a você e mais a afirmação de todos os seus defeitos, diariamente. Porque as feridas dos espancamentos curam e deixam parcas cicatrizes que você finge não estarem ali. Mas, as feridas psicológicas te maltratam a vida toda. Principalmente quando você não quer fazer o mal, mas é a única coisa que aprendeu e você repete sem querer.
Eu só queria ser criança. E eu juro que não era uma criança má. Eu nunca judiei dos animaizinhos. Aliás, eles sempre me acolheram com muito carinho.
Eu fazia todas as tarefas que me eram atribuídas com a perspicácia de uma criança que era inteligente. E, como diziam, eu “inventava moda”.
Tiraram-me tudo. Espoliaram-me toda a criatividade. Deram-me marcas no corpo e na mente, e melancolia.
Eu achava que era adotada. Porque na minha ingenuidade, nenhuma mãe ou pai de sangue permitiria tais atrocidades a uma parte sua. A um ser tão pequeno e indefeso.
Eu fui espancada, xingada, estuprada quando criança. Fui tirada da escola entregue pelos pais em uma fazenda e obrigada a trabalhar gratuitamente de sol a sol quando adolescente. Pra aprender a ser gente, eles diziam.
Nunca encontrei apoio na família. Nunca pude ser nada que sonhei quando criança. E o meu maior sonho era estudar química, ser mecânica, ser piloto de automóvel, ouvir música, tocar um instrumento, falar inglês, escrever poesia, ser artista, dançar...
Mas todo dia tinha um muro de espancamento onde um sonho meu era fuzilado a queima roupa.
E para confirmar que faziam o melhor por mim, na escola eu tinha de escrever um bilhetinho de dia das mães dizendo que ela estava certa e eu amava o que significava a maternidade.
Eu sempre odiei o dia das mães e tudo o que ele representa para as crianças que passam o que eu passei.
E acredite, são muitas crianças.

Lunah Lan

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