Os 0,10 centavos que silenciaram uma violência


Eu andava em meio às árvores do quintal, como sempre costumava fazer nas tardes depois da escola. Havia poucos dias que tinha completado oito anos, estava na segunda série do primário e a escola não era muito atrativa, gostava mesmo era das árvores, da horta, das galinhas que eu atormentava no galinheiro eu era uma criança feliz ali.
Meus avós eram donos de metade de uma quadra de terra daquelas quadras bem grandes. Em uma esquina ficava a casa e na esquina oposta ficava a máquina descascadeira de arroz, no meio havia a minha floresta de frutas, bichos e mato. Era um quintal imenso, cheio de goiabeiras, mangueiras, tamarindeiros, laranjeiras e muitas outras árvores das quais saboreei todos os frutos por muito tempo. Perto da descascadeira tinha a fábrica de gelo de um parente, um tio muito querido, que adorava aviões. Ele morava na mesma quadra, do outro lado da minha floresta de frutas e para ligar a casa da minha avó a dele havia uma trilha em meio às árvores.
Eu sabia que apesar de gostar muito desse lugar ele não era um lugar seguro como fora um dia. Mal sabia eu que este lugar jamais seria o mesmo depois desse dia.
Foi nessa trilha que eu fui abordada mais uma vez pelo lobo mau que por muitas vezes já havia me abordado naqueles caminhos e praticado atos libidinosos comigo, os quais chamava de “aquilo”.
Nesse dia foi diferente, aquele jovem homem, me pegou pela mão e disse que tinha uma coisa muito legal pra me mostrar. Eu fui com ele, afinal, ele era parente, de família influente e eu era uma criança boba, sozinha e curiosa. Chegando a sua casa, entramos pela porta da cozinha, a casa era linda, bem diferente da que eu atualmente vivia com meus pais que era de apenas um cômodo. Ele me mostrou uma caixa de madeira cheia de moedas em cima de uma mesa na sala de estar. Disse que eu podia brincar com as moedas, mas não podia pegar pra mim, mas se eu fosse boazinha iria me dar uma. Fiquei empilhando as moedas enquanto ele preparava uma “surpresa” para mim no quarto. Ele me chamou, eu fui, era um pequeno quarto com duas camas, tinha vários aviões de aeromodelo montados e outros parcialmente montados. Adorei ver os aviões. Logo ele me jogou de bruços em uma das camas cai meio atravessada e as penas ficaram para fora, ele arrancou minha calcinha mais que depressa e deitou-se sobre mim, lembro de como ele era pesado e como as minhas pernas doíam em serem esmagadas contra a madeira da cama, pois o colchão era mais baixo, mas algo iria ser ainda pior. Nesse dia, com muita pressa ele consumou o ato, rapidamente. Eu não chorei, não gritei, eu estava muito assustada pra ter qualquer reação. Eu apanhava muito dos meus pais, dor era algo normal. Mas o que doía mesmo era o descaso. Logo que ele terminou, mandou eu vestir a minha calcinha, me pegou pela mão, me deu uma moeda de 0,10 centavos (na época dava pra comprar duas balas no mercadinho), me levou até a porta e disse: __ Vai embora logo que a minha mãe ta chegando.
Eu me senti muito abandonada nesse momento, esperava poder brincar com os aviões, afinal eu tinha me sacrificado por isso e a forma fria como que fui mandada embora, me deixou ainda mais abalada.
Atravessei correndo a trilha no meio das árvores e quando cheguei à casa da minha avó percebi que sangrava no meio das pernas. Aí então fiquei apavorada, pensei que ia virar menino (acreditava que um pênis iria crescer em mim), como iria explicar pra minha mãe que estava virando menino, fui pro tanque de lavar roupas subi, lavei a calcinha, me lavei e chorei muito de preocupação. O que seria de mim se virasse menino.
Nunca mais aquele homem me tocou. Ele entrou para o exército e arrumou uma namorada e pouco tempo depois foi embora da cidade.
Muito ingênua, fui descobrir realmente o que tinha acontecido, já na adolescência. A pressão era muito grande. Diziam que menina que não era virgem não conseguia namorado então eu sofri em dobro porque eu queria ser amada por alguém. Muitos monstros me atormentaram por anos, mas o pior era entender que fui comprada por 0,10 centavos.


Lunah Lan

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

COMO NASCE UMA POESIA