NO FUNIL
Há seis anos atrás eu tinha no meu diário uma lista
de grandes conquistas. Não tinha vencido nenhuma grande guerra, mas tinha saído
viva de muitas batalhas e com saldo positivo.
Tinha me formado em uma universidade pública, sem ao
menos precisar dos provões de fim de semestre, nem DP, nem nada. Eu tinha
orgulho de mim, mesmo que ninguém se importasse.
Eu tinha saído de 13 anos de estagnação cultural e
completa entrega a me dedicar a fazer o casamento dar certo e criar as filhas
bem de perto para que elas não passassem pelo que eu passei na infância.
Enquanto cursava a faculdade, fui funcionária
estagiária da prefeitura, fui a primeira carteira dos correios da minha cidade
e fui funcionária contratada do Detran, fiz o curso de instrutora e examinadora
de trânsito. Tudo isso contra a vontade do marido e sob a pressão da família, tanto
dele, quanto minha, que me achavam incompetente.
Fui além, tomei a decisão de me separar
definitivamente, mesmo fingindo estar casada para a sociedade a pedido do
marido (pior erro que cometi). Comprei uma loja, de informática e me mudei para
lá e como não saía a contratação para examinadora de trânsito do Detran, eu
comecei a atuar como instrutora a noite.
Até que as ameaças de morte começaram. A obrigatoriedade
de ir para casa para fazer sexo, mesmo sem querer, sob muitas ameaças. Na maioria
das vezes eu não acreditava. Mas quando ele começou ficar muito frequente ele aparecer
com facas, canivetes e dizer que contrataria alguém para “fazer o serviço” eu
comecei a ficar com medo. Afinal era alguém que me conhecia a vinte e dois anos
e desse tempo dezoito anos havia me controlado a mão de ferro juntamente com
sua família, não importando a resistência que eu impunha.
Dei um jeito de tirar as filhas da cidade e entrei
em um acordo para que ele me levasse para bem longe para eu trabalhar e ganhar
dinheiro. Na verdade eu queria ganhar tempo pra saber o que fazer.
Como foi muito as pressas, nem tudo foi como o
planejado, mas enfim, foram-se os anéis, ficaram os dedos.
Recomecei do zero, literalmente do zero. Zero dinheiro.
Zero carro. Muitas vezes zero comida. Zero amigos. Mas eu estava convicta.
Tinha um moço gentil que acreditava em minha
façanhas, como quem acredita em contos de fada. Tinha das minhas filhas, se não
um categórico apoio, também não uma contestação.
Segui em frente, o moço gentil tornou-se namorado e
fiel escudeiro. Minhas forças renovavam-se a cada dia apenas por seu sorriso. Eu
vivia um misto de uma infância que não tive com uma mistura de medo do futuro e
saudades das crianças que escolheram o pai devido as condições financeiras.
Como havia perdido tudo o que antes havia construído,
comprei outra loja e comecei, tivemos uns dois anos de sossego e a baixa
hormonal começou a afetar o meu corpo e a minha mente. Saltei dos 55kg para
85kg e a depressão bateu forte. A depressão trouxe a tona vários monstros. A insegurança,
o medo, mas o pior era a tristeza que varria os meus dias. Apesar das
tentativas de tratamento e alguma melhora alcançada. O moço gentil não suportou
a pressão e se foi.
A crise econômica que o país enfrenta afetou a nova
empresa em cheio. Muitas dívidas. O dinheiro diminuindo a cada dia, não havia
mais como gastar tanto com remédios. Os parentes e amigos que haviam se
aproximado se afastaram. Os funcionários e colaboradores que trabalhavam juntos
se foram, por causa da crise não havia a possibilidade de manter a empresa.
É como se a vida estivesse dentro de um funil,
mostrando as voltas que o mundo dá arroxando a cada dia mais hoje amanheci no
gargalo.
Sinto como se todas as possibilidades já tenham se
esvaído e no final tudo gira tão rápido que não há mais nada a se fazer a não
ser ficar parada e esperar o próximo funil.
Lunah Lan
Comentários
Postar um comentário