NOTA DE ESCLARECIMENTO


Eu não quero como os meus textos ser tratada como vitimista ou coitadista. Por um único motivo, não sou vitimista – fui vítima, não sou uma coitada – sou uma guerreira.
Eu sofri todo tipo de violência desde o nascimento, juventude, casamento. Eu passei por pais irresponsáveis, extremamente agressores (física e psicologicamente), pai alcóolatra. Fui estuprada quando criança por parentes. Tiraram-me da escola e me entregaram a outros como escrava doméstica no início da adolescência, não me defenderam quando sofri bulling na escola, passei fome e quando casei sofri agressões físicas e psicológicas por muitos anos. Diziam-me todos os xingamentos de baixo calão e ainda:
__ Você não vale nada!
__Você não presta pra nada!
__Você não vai ser nada na vida!
__Sua morta de fome!
__Sua cara de cú sem beira!*
__Asquerosa!
Esse último, na época tive de recorrer ao dicionário para saber do que estavam me xingando. Porque eu havia lavado a roupa e estendido no varal. E o varal arrebentou e tudo foi parar no chão. E eu fui xingada pela sogra, porque o varal arrebentou.
Pessoas dirão que isso é frescura. Que a vida é assim mesmo. Que milhares passam por isso e eu não preciso me expor.
Não estou me expondo, estou contanto histórias verídicas, vividas na carne, para mostrar para muitas mulheres que passam por isso que elas podem superar essa dor.
Muitas pessoas questionam as leis que surgem para proteger as mulheres, pois acreditam que os homens sofram tanto quanto. Difícil acreditar nessa equivalência. Pois, a despeito de alguns homens sensíveis como as mulheres são, a maioria deles é embrutecido desde criança, cunhados para o rancor, para a dor e para a opressão.
__Homem não chora!
__Você se machucou mas não foi nada!
__Seja forte como homem!
__Seja homem!
Muitos dirão que as histórias que escrevo são mimimi, assim como tratam os negros, pobres, gays, trans, prostitutas, ignorantes das letras, mulheres, crianças com descaso porque não tem a poderosa voz dos demagogos. As exigências dessas minorias são tratadas como loucura, histeria, vitimismo, coitadismo.
Alguns e me incluo nesta, conseguem se rebelar, romper as barreiras e renascer das cinzas. Muitos e muitas, não. Esses são tão oprimidos que são imobilizados psicologicamente.
Alguns (pessoas letradas) ainda partem do princípio que ser xingado, humilhado, não te prejudica, te faz mais forte. Que não há necessidade de criminalizar o desrespeito, por que isso foi tão normal durante anos, porque parar agora. Isso muito me estranha, pois não há mais uma preocupação com o respeito, com a humanização. E meu entendimento diz que se você não me respeita por amor ao ser humano e educação então terá de me respeitar por justiça, por que eu sou um ser humano igual a você. (É lamentável, realmente, que não exista outra forma de se fazer ser respeitados em seus direitos).
De forma alguma eu culpo o homem em si. A culpa é da cultura de opressão que este propaga e da sua resistência em se tornar um ser humano melhor, respeitador. Com honra! (palavra até em desuso ultimamente).
As pessoas dizem é só ter auto-estima, no entanto, muitos, sequer desenvolveram isso na infância. Foram terrivelmente violentados, desfigurados, destituídos de todo o seu direito que nem mesmo conseguem achar seu lugar na sociedade.
Alguns, que tiveram amor na infância, ou até mesmo alguns cuidados essenciais e quiçá não tiveram um mundo contra si, favor reconsiderem seus pensamentos, pois, vocês nunca saberão o que é ser oprimido desde a infância, é óbvio que você não vai entender. (portanto, cale-se, por favor) é por causa de mentes iguais às sua que necessitamos de que protejam as minorias.
Eu não sou uma coitadinha. Porque se eu fosse, eu não estaria escrevendo, eu estaria me lamentando. Eu não escolhi ser vitimista. Eu fui vítima e fui escolhida para tal. Eu nasci vítima, indesejada, mulher, pobre.
Desculpe se você não me reconhece mais, se não me acha uma pessoa proativa e produtiva socialmente. É eu deixei o antório que me direcionava e a canga sobre as minhas costas que me faziam trabalhar quase de graça. Eu rompi esse ciclo, eu lutei a minha vida toda, mesmo quando meus braços não faziam nada e minha boca não reagia, minha mente confabulava e um dia eu recomecei do zero.
Eu não engrosso as fileiras do coitadismo, eu engrosso o exército de guerreiras que lutam para mudar essa história.


Lunah Lan


*Inocente que eu era, não dava significado aos xingamentos conforme as pessoas esperavam. Ao Ouvir "Cara de cú sem beira" eu imaginava uma ponte de um rio sem o guardrail e ficava imaginando que raios isso podia servir de xingamento. 

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