FEMINISMO, PRA QUÊ?
Um dia, na busca por ajudar a família fui viajar
sozinha. Tinha lá meus 27 anos, duas filhas pequenas e enfrentava muitas
dificuldades financeiras. Muitas mesmo.
Uma amiga de longa data chamou-me para compor
sociedade de venda de roupas, mas para isso eu deveria sair da minha cidade,
viajar por mais de mil quilômetros até onde ela estava comprar as roupas.
Inocente, fiquei muito feliz com a possibilidade de
ajudar a família. Tentei avisar ao marido que estava consertando veículos na
lavoura, sem sucesso. Como o único ônibus que partia saía na hora do almoço. Deixei
as meninas com a minha mãe. Arrumei tudo direitinho. Deixei almoço pronto no
forno. Avisei os amigos e fui. Minha amiga pagou a passagem. Eu viajaria mais
de mil quilômetros sem um centavo no bolso. Mas, do que isso importava se era
por um bem maior.
Sonhadora que sou, peguei o ônibus e mal podia ver a
hora de chegar.
Cheguei ao destino. Pegara-me na rodoviária logo
pela manhã e seguimos para as compras, sem comer nada e dormir bem pouco,
resisti bravamente com bom humor e paciência.
Paramos lá pelas 15h para um lanche rápido,
terminamos as compras e seguimos para a casa a fim de separarmos a mercadoria,
etiquetarmos e arrumar as malas. Nessas tantas, já havia perdido o único ônibus
de volta e teria de voltar no outro dia.
Estava feliz. As roupas eram lindas e de boa
qualidade, a porcentagem me daria a chance até de comprar algumas as meninas
que há tempos não podia. Resolvi ligar para o marido para dividir com ele a felicidade.
Atendeu o celular já me xingando, amaldiçoando, nem
mesmo ouviu o que eu tinha a dizer. Avisei que voltaria no outro dia e o horário
que chegaria e desliguei. Matou por dentro tudo aquilo. Resolvi não me
importar. Noutro dia estaria de volta e tudo estaria bem.
Com vergonha, nem comentei o que havia se passado ao
telefone. De malas arrumadas só restava esperar pelo ônibus que saiu às 21
horas do outro dia chegando a minha cidade ás 13 horas. Para minha surpresa ele
não veio me buscar. As três malas que eu trazia eram muito grandes e pesadas e
eu uma mulher magra e de pequena estatura. Sem dinheiro, sem comer. Arrumei como
pude as malas penduradas em mim e enfrentei um sol escaldante por um quilômetro
até a casa de minha mãe. Pareceu-me a viagem mais longa que já fiz.
Doía-me saber que ele não estava feliz por mim. E pior,
que faria tudo para que desse errado.
Cheguei a casa, abracei as filhas, disfarcei o
descaso do marido dizendo aos parentes que não tinha podido avisá-lo. Deixei as
coisas ali e segui caminho mais alguns quilômetros no sol quente até a minha
casa para pegar um carro e levar as coisas embora.
Qual não foi a surpresa, ele não iria deixar que eu
usasse o carro e nem iria buscar as coisas. Xingou-me novamente. Avisou-me
alardeadamente que por eu ser mulher não poderia tomar uma atitude dessas,
sozinha. Que deveria espera-lo e que, já que eu achava que podia, que me
virasse sozinha.
Chorei. Chorei muito! Senti-me só! Mas, ergui minha
cabeça. Voltei até a casa de minha mãe. Tirei algumas coisas de uma das malas
deixando-a mais leve. Peguei um guarda chuva para proteger as meninas do sol e
fiz de conta que íamos passear, para que elas não se sentissem estressadas de
irem a pé para casa.
Então fui por ruas de pouco movimento, conversando e
passeando com as meninas, até chegar em casa. Deixei tudo arrumado para elas
brincarem e refiz o trajeto sozinha, mais oito vezes até levar tudo para casa.
Essa é apenas uma das violências simbólicas que
sofri calada, sem ao menos saber que estava sendo violentada. E tudo isso com a
sociedade assistindo sem fazer nada. E hoje ainda vejo as pessoas se
perguntando qual é a necessidade do feminismo.
Lunah Lan
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