DA A MÃO PRA APANHAR
Essa frase eu ouvi muito
desde que aprendi a andar, tanto meu pai como minha mãe sempre tiveram um
comportamento deliberado quando iam punir as filhas. As ações eram executadas
com toda força e raiva que um ser humano pudesse ter e a justificava era a “boa
educação das filhas”.
Nessa violência física
constantemente sofrida morava um monstro muito maior. O da violência
psicológica.
A expressão “da a mão pra
apanhar” significava agir contra você
mesmo. Para evitar a possibilidade da criança ao ser espancada sair de perto do
agressor era preciso segurá-la. Mas não era apenas pegar a mão dela e bater. Era
necessário humilhá-la. E fazer com que ela mesmo sabendo do cruel castigo que
lhe esperava, aceitasse estendendo a mão para apanhar.
Os castigos eram tão cruéis
que nunca experimentei correr pra ver o que acontecia.
Com a cinta, a vara, a
espada de são Jorge, o fio do ferro, o pau de bater roupa, ou seja o que
estivesse disponível ao alcance, tanto pai quanto mãe exprimiam a frase
completa:.
__ Da a mão pra apanhar. Se correr vai ser pior!
Até a minha mãe apanhava e
não corria, não seria eu a experimentar pra ver o que aconteceria. Minha mãe
quase sempre assistia às sessões de espancamento das filhas assim, como as
filhas também assistiam as suas.
Mas quando os meus olhos
cheios de lágrimas encaravam aquelas caras cheias de ódio. Eu já ia dizendo:
__ Por favor, pai! Não me
bate! Eu prometo! Não faço mais! (mesmo que nem dessa vez tivesse feito algo,
confessávamos qualquer coisa depois da surra começar).
Soluçando ia erguendo os frágeis
bracinhos rumo ao castigo que me esperava e já sentia a urina descer perna
abaixo.
Quando as mão se encontravam
a surra começava, junto com os xingamentos, pra vizinhança toda ouvir. E o
espancamento só terminava quando eu já não mais chorava. O corpo já estava
curtido da dor. Rasgado pelo instrumento de tortura. Minha mãe, professora,
evangélica, ajudava a esconder as marcas vestindo roupas de manga e calça
comprida para que as pessoas na escola e na igreja não comentassem.
Meu pai já exausto não
aguentava mais bater, já tinha passado seu estresse, ou voltava pra oficina, ou
ia pro bar da esquina onde morava sua amante.
Esse tipo de situação foi
frequente desde quando me lembro até os 14 anos de idade. Quando resolvi sair
correndo pela primeira vez era dia de natal na hora do almoço e eu ia apanhar
pelo simples motivo de discordar de um assunto.
Corri o máximo que pude,
entrei na casa do primeiro vizinho pedi socorro entrei porta adentro me enfiei
debaixo de uma cama em um quarto. Enquanto algumas pessoas seguravam meu pai na
porta da frente, a vizinha me ajudava a pular o muro dos fundos da casa que
dava pra um quintal baldio. Enquanto meu pai me caçava como se caça um animal,
minha mãe e irmãs fugiram de medo para uma cidade vizinha (e me culparam muito
por terem de fazer isso). Meu pai me caçou por semanas a fio, mas não permiti
que ele me achasse. Nunca mais voltei a morar naquela casa.
Meus pais nunca foram
denunciados por que esse tipo de educação é comum. E ainda hoje acontece.
Quando eu era muito criança
eu achava que era adotada, porque no meu entendimento nenhum pai que tivesse
gerado um filho seu, carne de sua carne, sangue de seu sangue o trataria assim.
A violência contra uma criança indefesa é a maior crueldade que pode haver no mundo, eu preferia ter sido abortada, tenho certeza que "Deus" perdoaria mais facilmente um aborto.
Lunah Lan
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