AS BRUMAS DO CAFÉ
Serviu uma xícara de café bem quente e ficou olhando os
devaneios da fumaça lembrando-se de quando colocava a mesa duas xícaras de
café. Olhou para o porta-retratos com o vidro todo trincado na parede e
sorriu um sorrisinho pálido ao relembrar quanto trabalho deu para escolher o lugar para pendurar
aquela foto tão importante do casal. Era uma época de muitos risos, tudo era
motivo para beijo, para abraço, para um cheirinho. Na sala agora quase sem
mobília, sobraram as cortinas esvoaçantes, escolhidas a dedo para refletirem a
leveza da alma. Olhava para o café meio sem vontade de tomar. Sentia uma dor
que embrulhava o estômago, ardia no peito, engasgava a garganta. Era um misto
de revolta e medo do incerto. Enquanto observava a fumaça fazendo curvas devido
a sua respiração, sentia uma lágrima correr pelo rosto. Não tinha sido suficiente toda a sua entrega. Seu amor agora estava
nos braços de outra. Girava lentamente
o pires na mesa obrigando a fumaça a reagir e esmaecer assim como queria que as
lembranças da despedida esmaecessem. Naquele dia passou a noite acordada, sozinha,
chorando, inerte no sofá, com ódio de tudo, dele, dela. Já havia tempos que o
dia tinha clareado, mas não se mexia afundada ali segurando uma almofada com as
unhas cravadas nela como se segurasse a tábua da salvação. Ouviu a chave girar
na porta da frente, sabia que era ele. Ficou de pé decidida a encarar olho
no olho, em vão. Ele entrou cabisbaixo, sem vontade de lutar, já havia esgotado
todas as suas forças no último encontro para explicar que estava indo embora, e
foi! Silencioso, entrou no quarto, pegou algumas coisas que considerava de
valor, foi até a escrivaninha, escreveu um rápido bilhete, deixou a chave da
porta em cima e saiu deixando a porta da sala aberta. Ela ali como um mastro fúnebre
no meio da sala assistiu a cena como se fosse um filme. Largou-se no sofá e
soluçando dormiu por muito tempo. Quando acordou, a porta ainda estava
entreaberta, olhou a escrivaninha querendo que tudo aquilo tivesse sido um pesadelo, mas o bilhete com a chave ainda estava lá. Sem vontade
de viver, levantou, bateu a porta com toda a força que tinha, que não era muita,
e lentamente caminhou para o bilhete com as lágrimas correndo pelo rosto.
“Separe o que achar
que for meu, pois no sábado mandarei buscar! Querida, por tudo o que vivemos,
espero que fique bem!”
Subiu-lhe um ódio pelo corpo, esmurrou o porta-retratos como se tentasse destruir todo o passado que lhe invadia. Encostou-se à parede
e escorreu por ela até o chão e soluçou aí até o anoitecer. Notívaga,
levantou-se, um pouco mais forte. Tomou um banho. Fez as malas dele com cuidado
para que se lembrasse de todo amor que sentia. Empurrou para fora da casa as
malas e toda a mobília que achava desnecessária. Chaveou a porta com a chave
que ele havia deixado e foi fazer um café para mentir a si mesma que estava
conseguindo reagir.
Lunah lan
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